– Como
fazes para não ter vergonha? – perguntou ele em surdina.
Pedi-lhe que
explicasse melhor:
– Vergonha de quê, meu lindo?
– Vergonha
de escrever
histórias que algumas pessoas podem não gostar. Ou de dar entrevistas...
Pumba! Murro
no estômago. Já devia saber: as melhores perguntas – as mais incómodas, as mais
divertidas, insólitas ou profundas – vêm sempre das crianças.
Inspirei fundo
e hesitei por momentos antes de responder em tom confessional.
– Sabes uma coisa? A verdade é que eu tenho
vergonha. Apenas tento disfarçar...
Pareceu-me ver
um sorriso tímido esboçar-se no rosto dele.
Quando a roda
dispersou, no momento das despedidas, ele aproximou-se com mais uma
inquietação.
– Podes escrever uma história com o meu nome?
– Que bonito! Escreve aqui o teu nome para eu
não me esquecer – e estendi-lhe a palma da mão.
Enquanto ele
escrevia, fui acrescentando:
– Sabes, gostei muito da tua pergunta. É
impossível escrever histórias que todos vão gostar. Mas isso não significa que
devemos parar. Qual é a pessoa mais importante que tem de gostar?
– Sou eu? – respondeu com
pouca certeza.
– Exactamente! – confirmei
cheia de entusiasmo – E quem é que, se
calhar, também vai gostar e ficar muito orgulhoso?
Aí respondeu
sem qualquer sombra de dúvida.
– Os meus pais!
– Boa! – concordei com
ele.
Então
acrescentei:
– Olha, tive uma ideia! Porque é que não
escreves tu uma história com o teu nome?
– É que não estou muito habituado ao
português, dantes estava no ensino inglês.
– Então porque não escreves em inglês?
Os olhos dele
brilharam como se tivesse descoberto a pólvora.
– Posso escrever em inglês?
– Claro que sim! As histórias escrevem-se em
qualquer língua. A primeira coisa que tens de fazer é contá-la. Depois é só
passar para o papel. Como é que se começa uma história em inglês?
– Once upon a time...
– Exactamente! Once upon a time... – repeti eu,
olhando para as letras desenhadas na palma da minha mão – Once upon a time, there was a tiger named Thando...
O rosto abriu-se num largo sorriso e Thando, o menino tímido com nome de tigre, conquistou a sua própria vergonha para me fazer um pedido genuíno.
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Era uma vez um tigre chamado Thando... |
O rosto abriu-se num largo sorriso e Thando, o menino tímido com nome de tigre, conquistou a sua própria vergonha para me fazer um pedido genuíno.
– Posso ter o teu número?
Desatei-me a
rir e pedi-lhe a caneta de volta. Ele estendeu a palma da mão e foi a minha vez
de escrever.
Cristiana Pereira
Jornalista/Escritora
Ilustração: pixabay.com
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