Alguém perguntou
recentemente quais as vantagens de ser formiga. É difícil explicar,
normalmente as formigas identificam-se e reconhecem-se automaticamente: quantos
de nós já dissemos ou ouvimos: “és formiga mesmo!”. Mas as formigas adoram um
bom desafio – alguém já viu um ser tão pequenino suportar cargas tão
desproporcionais? - por isso, vou tentar explicar.
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Foto: http://thekeeperofspring.blogspot.com |
É mais fácil usando um exemplo, então vou contar o último encontro de formigas que fizemos em Maputo. Foi no sábado passado (26 de Abril) e o motivo era uma apresentação pública dos nossos tchovas. O Tchova da Juju é uma inovação tecno-pedagógica criada em Moçambique para massificar o acesso ao livro entre populações de baixa renda. O modelo foi inspirado num projecto de bibliotecas móveis desenvolvido pelos nossos parceiros da Aidglobal na província de Gaza. O tchova é uma carrinha com rodas de carro, movida a força braçal, que serve para transporte de fruta, cimento, refresco e de pessoas também (como se vê em baixo...). A palavra "tchovar" significa empurrar.
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Tchova de carga tradicional |
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O Tchova da Juju |
O Tchova da Juju tem duas componentes: promoção da leitura e geração de renda. Por exemplo, as crianças do bairro da Costa do Sol podem frequentar o Tchova da Juju como oficina pedagógica, iniciando-se na literacia e numeracia através de uma pedagogia de “aprender brincando”. Mas o tchova também tem livros para consulta e venda ao resto do bairro – ao preço do bairro, não da cidade! (Nota: em Moçambique, “bairro” é aquilo que no Brasil chamam de “favela” ou, em Angola, de “musseque”...)
A apresentação decorreu na Mozarte, um centro juvenil de artesanato, localizado no coração de Maputo (Av. Filipe Samuel Magaia, entre a 24 de Julho e a Baixa), e construído em formato de claustro com oficinas diversas (carpintaria, costura, serralharia...) viradas para um pátio interior. É ali onde fica o centro de produção dos nossos tchovas.
No início, fizemos uma roda (as formigas preferem os círculos aos quadrados) onde cada um se apresentou e explicou as motivações para estar ali. O grupo era tão diversificado quanto o reino das formigas: origem, cultura, formação, ocupação, género e idade. Desde a Rosália pequenina à Joaquina que era a mais-velha (formiga não tem idade, não me perguntem os anos!). Passando pelo Walter, Fanisstad, Tomás, Filipa, Sandra, Pedro, Jaime, Célia, Américo, Nhaca, Elias, Mia, Carla, Ronaldo, Hélder, Maria... e por aí... Formiga não tem medo de partilhar, por isso cada um disse o que ia no coração. Para falar, bastava segurar uma folha de árvore e, terminando, passar ao próximo.
Quando chegou a minha vez de falar, comecei por dizer: Na mina ni sokoti, que em changana (língua do sul de Moçambique) significa “eu também sou formiga”. Expliquei então que a Juju entrou na minha vida em 2011 e, desde então, a minha vida mudou radicalmente. Os meus dias ficaram mais curtos e as noites mais longas. Férias, feriados, fins-de-semana... muito tempo dedicado ao formigueiro. É que, formiga não tem agenda nem calendário. Inverno ou Verão, trabalha quando é preciso e descansa quando é possível. Felizmente, as formigas formam uma família maior onde cabem as famílias de cada um. Adoptamo-nos todos!
A minha vida mudou, sim, mas eu acho que mudou para melhor. Através da Formiga Juju, consegui fundir a minha paixão pelos livros com a minha paixão pelas crianças – além da vontade de contribuir para tornar o mundo um lugar melhor para todos. Há uma frase de Gandhi que sempre me inspirou: “nós devemos ser a mudança que queremos ver no mundo”. Por isso, nós as formigas dizemos: a mudança começa aqui! Acima de tudo, a Juju trouxe-me pessoas (formigas...) extraordinárias que me inspiram diariamente. Nem posso dizer aqui os nomes delas, porque ficaria alguma de fora e isso não seria justo. Mas vocês, formigas que me estão a ler, sabem exactamente quem são! Juntos, nós conspiramos por um mundo melhor. É uma corrida incansável, mas gratificante...; inesgotável, mas empolgante!; uma caminhada com sentido, unidos na certeza de que vale a pena ser formiga.
Vale a pena ser formiga! |
Quando terminámos a roda, –
e depois de assinarmos um protocolo de cooperação entre a Mozarte e a Formiga
Juju para implementação do programa dos tchovas – o Director da Mozarte veio ao
nosso encontro e perguntou onde podia inscrever-se para ser formiga. Ele já
estava imbuído do espírito das formigas, por isso foi muito fácil: nós colámos
um autocolante dizendo “Eu também sou formiga!” (importante: do lado do
coração) e, automaticamente, o Director transformou-se em Formiga Elias. Yebo!
De seguida, fizemos uma pequena apresentação dos tchovas, explicando como funcionam. Quando, no final, a Joaquina disse: “eu estou interessada, vou participar” – nós gritámos em coro e celebrámos: “Ei, formigas! Congolote já tem tchova!!”.
A Joaquina vai levar um tchova para o bairro de Congolote |
Para terminar, todos nos deliciámos com um bolo caseiro preparado especialmente para a ocasião, acompanhado de sumo e refresco. Afinal, formiga também come... e nunca resiste a uma boa migalha!
...
Então é isso, formiga chora, formiga canta, formiga ri, formiga dança, formiga abraça, formiga ajuda, formiga corre, formiga celebra, formiga trabalha, formiga não pára!!! Formiga é formiga!
Por isso, fica difícil explicar racionalmente quais são as vantagens.
A única coisa que posso garantir é que vale a pena ser formiga!
Sokoti Cristiana