03/06/2014

Carta a Ituiutaba



Lembro-me do dia em que conheci a Denise Martins.

Foi em 2013, na Festa da Música, no Jardim Tunduro, bem no coração de Maputo. Ela tinha ido assistir a uma apresentação do nosso primeiro conto, “A Formiga Juju na Cidade das Papaias”. Combinámos ali o nosso encontro na sequência de um email que me enviou sobre um trabalho de educação musical que estava a realizar com a história da Juju, numa escola periférica de Maputo.


Para descrever esse encontro, preciso de roubar uns versos ao Alexandre O’Neill:

Mal nos conhecemos
Inaugurámos a palavra «amigo».

«Amigo» é um sorriso
De boca em boca,
Um olhar bem limpo,
Uma casa, mesmo modesta, que se oferece,
Um coração pronto a pulsar
Na nossa mão!
  
Foi assim com a Denise, uma sensação de reconhecimento. Ela transbordava de cor, alegria, energia e emoção. Falava sem filtros, directamente do coração. Percebi, de imediato, que era uma grande formiga. Desde então, não mais parou de nos inspirar e contagiar.


Denise Martins: uma grande formiga!

  
Foi por causa desse encontro que hoje me preparo para fazer o caminho inverso entre Maputo e Ituiutaba. É difícil de acreditar, mas em apenas um ano, a Denise regressou para o Brasil, dinamizou o primeiro conto da Juju junto de 11 escolas municipais e, já em 2014, idealizou o musical do segundo conto, chamado “A Formiga Juju e o Sapo Karibu”. 

A Formiga Juju e o Sapo Karibu
  
Ninguém pode imaginar o que nós sentimos ao ver a nossa pequena formiga moçambicana, bela e feliz com a sua capulana, atravessar continentes e oceanos, para chegar às crianças de Minas Gerais. Foi, por isso, com um misto de orgulho e humildade que recebemos o convite da Secretaria Municipal de Educação, Esporte e Lazer, para assistirmos às actividades da Formiga Juju em Ituiutaba, em Maio e Junho deste ano.

É a primeira viagem que faço ao Brasil e sempre quis conhecer. Quando penso no Brasil, penso em alegria, exuberância, espontaneidade e criatividade. Penso na pedagogia visionária do Paulo Freire, por quem nutro uma admiração herdada de meus pais. Releio com ternura as aventuras de Zezé falando com "O Meu Pé de Laranja Lima", no romance de José Mauro de Vasconcelos. Recordo a voz do Caetano Veloso adoçando a canção que o meu filho adora: “gosto muito de te ver, leãozinho...”. E, de há um ano para cá, imagino as crianças de Ituiutaba dançando marrabenta!

Formiguinha de Ituiutaba tocando xilofone

Quando fundámos o movimento da Formiga Juju, em 2012, a nossa motivação inicial era levar livros às crianças que não têm livros. Em Moçambique, apenas 2% das crianças em idade escolar sabe ler fluentemente. Quando vamos para os “bairros” (aquilo que, no Brasil, chamam de favela), praticamente não encontramos um único livro. Mas o livro e a história eram – e são – apenas um meio, não um fim. A grande missão que queremos concretizar é despertar o imaginário das crianças, através da leitura e da expressão criativa, para que possam elas próprias tornar-se criadoras das suas histórias.

Lançamento da Formiga Juju em Fevereiro 2012

Com esta viagem a Ituiutaba, acreditamos que podemos colher experiências e aprendizagens importantes que nos ajudarão a chegar mais longe nessa missão. Queremos procurar exemplos brasileiros de promoção da leitura, expressão criativa, pedagogia da ludicidade, prática social, entre outros, e trazer de volta para Moçambique para enriquecer os nossos programas junto de crianças em situação de carência extrema.   

Acreditamos também que esta é uma oportunidade para construir pontes, partilhar ideais e reforçar os laços entre povos irmãos, a partir das crianças. Há tanto que nos une – e não apenas a língua!

Por isso, como devem imaginar, é enorme a expectativa e ansiedade de chegar.

Sabemos que esta produção envolve um número incalculável de pessoas que, juntamente com a Denise, dedicaram horas e horas de trabalho, criatividade e empenho pessoal para que este momento se concretizasse. Obrigada por acreditarem que vale a pena ser formiga... juntos, movemos montanhas!

Em particular, gostaria de referir o nome de algumas formigas (permitam-me a ousadia...) pelo seu envolvimento e dedicação para que esta viagem se realizasse:
- Lázara de Souza, Secretária Municipal de Educação, Esporte e Lazer de Ituiutaba;
- Alciene Franco Martins, Subsecretária da Secretaria Municipal de Educação, Esporte e Lazer de Ituiutaba;
- Joelma da Silva Almeida, Especialista do Centro Municipal de Assistência Pedagógica e Aperfeiçoamento Permanente de Professores (CEMAP);
- Aldair de Queiroz Franco, Presidente do Rotary Club de Ituiutaba;
- Luiz Gonçalvez Junior, PhD. em Educação, Professor na Universidade Federal São Carlos (UFSCar);
- sem esquecer a Formiga Adri, aqui em Moçambique!

Um agradecimento sentido a todas as instituições pelo seu importante apoio nesta produção:
Prefeitura Municipal de Ituiutaba; SMEC/CEMAP; FEIT/UEMG; Conservatório Estadual de Música “Dr. José Zóccoli de Andrade”; CAIC “Aureliano Chaves”; Escola Estadual Governador Bias Fortes; Escola Estadual Camilo Chaves.
  
E porque os últimos são os primeiros... aqui fica um obrigado muito especial a todas as crianças que participam no musical do Sapo Karibu – não só as que sobem ao palco, mas também as que ficam na plateia dando força e motivação aos protagonistas. Obrigada por acolherem a nossa história no vosso coração, por aceitarem o desafio de ser formiga e por nos ajudarem a preservar a criança que há em nós.
 
Como se diz em Moçambique: estamos juntos!

Estamos juntos!

- Cristiana Pereira

01/06/2014

Um dia para partilhar



Há dias assim, dias que nos vão acompanhar por toda a vida, dias especiais, dias que só merecem ser vividos porque são partilhados, dedicados àqueles de quem mais gostamos. Vivi, vivemos, um dia bestial na festa de Maio da Mozarte

O tema que nos juntou a todos foi a celebração/importância do livro nas mais diferentes formas de arte, na dança, no artesanato, no teatro, na poesia, na representação, na música e claro até na gastronomia. Foi um dia em cheio, um dia de histórias, histórias que pareciam não querer acabar... 

Começou logo cedo e musicado pelas palavras de jovens contadores como o Luís do grupo Vumsuluka (Amanhecer) que recontou para uma plateia de crianças e adultos lendas e contos do Rovuma ao Maputo. Foi lembrada a importância da escrita como registo da herança oral tão rica que Moçambique possui pelo escritor António Cabrita, que nos falou de como foi fazer o livro que hoje nos foi contado: “Fábulas de Cabo Delgado” da editora Kapicua (Obrigada João Kapão). E ainda a participação dos “Vovôs” António e Estevão da APOSEMO  (Associação dos Aposentados de Moçambique), que serviu para demonstrar que já há registos na colecção “Os Contos dos Avós”. Mais à tarde, o espaço foi dedicado à formação. Com ajuda do Paulo da Kutsemba Cartão re-aprendemos a fazer livros de cartão, a construir de forma simples e económica um livro e, desta feita, tornar a leitura acessível a todos. Quase sem ter tempo de respirar, recebemos o desafio de fazer uma fanzine, uma publicação semelhante a uma revista, em número mais limitado, uma espécie de obra de arte nas nossas mãos. Existem muito poucas fanzines em Moçambique, e esta foi a primeira a surgir em 2012. E foi assim que começamos a caminhar para a Fanzine da Mozarte, foi magnético ver as crianças à volta da Filipa e Nuno da FanzineBastidores, a fazer nascer a fanzine Mozarte.

E foi assim que a nossa festa foi ganhando público, e mais público, pessoas e mais pessoas, e formigas e muitas formigas, todas juntas em volta de uma formiga muito especial: a Formiga Juju, que se juntou à festa com a história do seu novo livro “A Formiga Juju e o professor Moskito”. Foi uma sensação incrível estar ali, no meio de tantas formigas e poder ouvir as sábias palavras e conselhos do bispo anglicano Dom Dinis Sengulane. Palavras que me fizeram olhar para dentro e sentir que é na simplicidade dos gestos do dia-a-dia que está a nossa força, carácter e determinação. 

Khanimambo Dom Dinis!



Logo a seguir entrou o Walter para animar o grande formigueiro com as suas canções e abrir caminho para que escutássemos com atenção as novas aventuras da Formiga Juju nas doces palavras da mama formiga, a Cristiana. 

"A Formiga Juju e o Professor Moskito"

Nesta história todos participámos, com ajuda da Formiga Juju, do professor Moskito nos seus passos de capoeira, das crianças-formigas, dos adultos-formigas e do melhor plano de todos os tempos para afastar o moskito da Malária, o entardecer chegou sem sentirmos qualquer comichão. Será que não? Ainda houve tempo receber a picadela do novo moskito artesanal, que ganhou forma das latas velhas pelas mãos criativas do mestre e coordenador da festa, o Tomás (Toma-Toma).

Naquele dia, como disse, o tempo parecia não querer avançar, e por isso ainda assistimos ao arrojado desfile de moda da First Fashion e a muita música, teatro e poesia, que nos embalou noite a dentro, nas palavras contagiantes e cheias de emoção dos jovens do Movimento Literário Kuphaluxa

Há dias assim, que parecem não ter fim. Que nos fazem gritar em silêncio, todas estas palavras juntas: a “única forma de tudo isto (todos os sonhos, ideias e planos) resultar, é se cada um de nós participar”.

Eu também quero participar!


- Filipa Pais de Sousa